Mulheres fora da política: uma livre escolha?


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Apesar da lei 9.504, nas últimas eleições municipais em 2016, as mulheres conquistaram um número menor de vagas se compararmos com as eleições de 2012: para cada 7 vereadores, temos 1 vereadora.

As mulheres recebem menos que os homens e têm menos acesso à saúde e à educação. Mas, o hiato mais profundo está na participação política. A realidade é incômoda e universal. A média mundial é de 23,3% de mulheres nos parlamentos, sendo os países nórdicos aqueles com maior equidade de gênero (com 41,7%) e a região do pacífico a que possui a menor média (com 15% de representação). Nos países desenvolvidos, os Estados Unidos representam um caso emblemático: apesar de alcançar a paridade na questão educacional, o país possui índices baixíssimos de participação econômica e oportunidade de trabalho (0.776) e, principalmente de empoderamento político (0.124). Com uma pontuação geral de 0,722, o país ocupa o 49º lugar no ranking, atrás de países como Ruanda, Filipinas e Nicarágua. Já quando consideramos a participação das mulheres estadunidenses na política, a posição cai para o 96º lugar.

No Brasil, segundo dados compilados pela Inter-Parliamentary Union, as mulheres representam pouco mais de 10% no Congresso. A lei 9.504 de 1997, que foi reformulada em 2015, busca enfrentar parte desse problema ao estabelecer uma cota de pelo menos 30% de vagas reservadas para as mulheres. Apesar disto, nas últimas eleições municipais em 2016, as mulheres conquistaram um número menor de vagas se compararmos com as eleições de 2012. Por exemplo, para cada 7 vereadores temos 1 vereadora.

A primeira dificuldade enfrentada pelas candidatas diz respeito ao acesso aos recursos para a campanha eleitoral. Uma pesquisa realizada pelo Office for Democratic Institutions and Human Rights demonstrou que a principal dificuldade na candidatura de mulheres está vinculada à limitação financeira. Segundo o relatório, as mulheres não só ganham menos do que os homens no local de trabalho, mas também possuem menos riquezas como um todo. Apesar de ser este um padrão mundial, as causas para o gap na acumulação da riqueza são múltiplas: acesso desigual ao mercado de trabalho e aos benefícios sociais tais como dias de férias pagos, seguro de saúde e desemprego, créditos fiscais, segurança social e, ainda, a maternidade. Sobre este último ponto, constata-se que a responsabilidade com os cuidados primários é concentrada nas mães, o que reduz as oportunidades de acumulação de riqueza. Como consequência, o relatório aponta para o fato de que, em um contexto de acumulação de recursos para campanhas, as mulheres candidatas têm menos poder financeiro para dedicarem-se a atividades políticas, reduzindo a probabilidade de candidaturas e de vitórias.

Um outro relatório igualmente importante, desta vez publicado pelo Women’s Environment and Development Organization (WEDO), caminha neste mesmo sentido: o acesso limitado aos recursos de campanha afeta a decisão das mulheres de se candidatarem. Além disso, a relutância está vinculada ao receio de perder o capital financeiro familiar bem como a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho caso sejam derrotadas nas eleições. Sobre a maternidade, a entrevista concedida por Monique Essed-Fernandes, candidata à presidência no Suriname em 2000/2005 à WEDO é emblemática. Ela afirmou que “as mulheres que se candidatam a cargos públicos são solteiras, não têm filhos, criaram filhos ou possuem uma rede de apoio à assistência à infância. A assistência à infância é uma questão que começa antes da nomeação, porque, na prática, aqueles que têm um problema com a assistência à infância são excluídos ou se excluem do sistema”.

Buscando reverter esta tendência, alguns projetos de apoio à candidatura de mulheres vêm sendo implementados na Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Bolívia e Chile com resultados ainda limitados. No Brasil, por exemplo, a lei destina 5% dos recursos para as candidatas. Esta dificuldade certamente coloca em xeque o entendimento de que eleitores e eleitoras fazem suas escolhas livremente já que o acesso aos candidatos e candidatas não são equânimes. Nos Estados Unidos um estudo recente do Pew Research Center, ao analisar o caso norte-americano, concluiu que para 75% dos entrevistados, homens e mulheres podem ser, igualmente, bons líderes políticos. Contudo,

1 - Quase metade das eleitoras femininas (47%) afirmaram que uma das principais razões pelas quais não há mais mulheres nos principais cargos políticos nos Estados Unidos é que o eleitorado cobra das mulheres candidatas padrões mais elevados que os homens;

2 - Cerca de 73% das mulheres entrevistadas afirmaram que é mais fácil para um homem ser eleito a um alto cargo político comparado a uma mulher;

3 - 41% das mulheres afirmaram que uma das principais razões para a falta de mulheres nos principais cargos políticos é que muitos estadunidenses não estão prontos para eleger mulheres para cargos políticos; e

4 - 33% das mulheres, em comparação com 21% dos homens, disseram que um dos principais motivos da falta de representatividade das mulheres na política é o baixo grau de apoio das lideranças partidárias.

Durante a campanha presidencial de 2016, 40% dos eleitores afirmaram que o fato de Hillary Clinton ser uma mulher a ajudaria, 12% entendiam que ela poderia ser prejudicada e 45% disseram que a questão de gênero não faria diferença. Apesar disto, o resultado das eleições parece sinalizar para outro cenário como destacou Brigitte McMahon, da Fundação Barbara Lee. Para ela, a questão de gênero fez a diferença nas eleições presidenciais, mas contra Hillary Clinton uma vez que as mulheres precisam se esforçar mais para provar sua capacidade e enfrentam uma cobrança maior.

A última corrida presidencial nos Estados Unidos trouxe à superfície questões históricas e tem muito a nos ensinar. Tudo indica que o gênero foi desvantajoso para a candidata democrata por basicamente três motivos: 1) Hillary, como a grande maioria das mulheres na política, teve dificuldades para superar o papel pré-definido destinado às mulheres e, por isso, foi mais exigida no sentido de provar sua capacidade de liderança; 2) foi dado um peso distinto pelo eleitorado às denúncias levantadas contra Hillary quanto comparada às denúncias contra Donald Trump; e, por fim, 3) a abordagem sexista da grande imprensa norte-americana que reforçou os preconceitos de gênero.

O caso estadunidense e o caso brasileiro, embora distintos, estão conectados uma vez que o problema se manifesta de forma conjuntural, mas sobretudo de forma estrutural, estrutura esta que coloca as mulheres em situação de desigualdade em praticamente qualquer disputa eleitoral. Historicamente, socialmente e culturalmente a mulher está destinada ao espaço privado, não o público. A política é vista como um ambiente masculino e não seria um lugar para mulheres. O lugar destinado às mulheres está bastante relacionado com os estereótipos de gênero que reforçam um perfil específico. Por serem vistas como mais compassivas, gentis e passivas, cabe às mulheres lidar com temas relacionados à questões sociais e educacionais, sendo descartada a liderança em temas de política externa e segurança. Aquelas que almejam cargos de liderança mais altos precisam enfrentar e lidar com o que a literatura especializada chama de “gendered terrain”.

Esta situação tem se colocado de modo particularmente difícil no caso brasileiro. Vivemos tempos sombrios no país e a cada dia torna-se mais difícil reconhecer as violações, as injustiças de nossa sociedade e o enfrentamento destes problemas. O que parece ser ponto consensual na literatura, nas organizações internacionais e na academia é questionado por parcelas reacionárias da sociedade brasileira e pelo atual governo. No Brasil, parte da sociedade ainda mantém um falso entendimento de que as mulheres têm o mesmo acesso à política e competem nas mesmas condições. Para este segmento da sociedade, as mulheres ou não têm interesse na política ou perdem em disputas “livres e justas”. Entretanto, esta impressão está longe da realidade, além de ser falaciosa e equivocada. As mulheres não estão fora da política por livre escolha: elas entram em desvantagem nas eleições pelo simples fato de serem do sexo feminino. Há uma estrutura opressora que subjuga, exclui e silencia.

O nome desta estrutura é patriarcado e uma de suas variáveis é o machismo. A consequência para este sistema é a exclusão das mulheres dos espaços de poder. Ademais, este processo contribui também para a objetificação da mulher, a inferiorização que abre caminho para as violências sofridas diariamente em nosso país, os abusos, o assédio, o estupro, os espancamentos e o medo de sair pela rua tranquilamente pelo simples fato de sermos mulheres.


Por Débora Figueiredo Mendonça do Prado *, na Carta Maior




* Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professora do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Gênero e Relações Internacionais (GENERI - UFU)

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