Entrevista: ‘É meu dever defender o estado para que o Governo Federal respeite o Maranhão e o Nordeste’, diz Flávio Dino



“Não é a opinião isolada do presidente da República, movido por ódio e preconceito, que vai afetar minha atuação. (…) Não tenho medo de ditador, de subditador, de projeto de ditador”, conta o governador Flávio Dino sobre a fala do presidente da República, Jair Bolsonaro, direcionada a ele e ao Nordeste. Em entrevista exclusiva a O Imparcial, o governador maranhense criticou a quebra de decoro de Bolsonaro e disse que a atuação do governo é pautada por “sentimento de sectarismo”, “perseguição política” e “preconceito regional”.

Na sexta-feira (19), durante café da manhã com jornalistas, Bolsonaro disparou: “daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Tem que ter nada com esse cara”. A fala era direcionada ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas acabou tomando proporções maiores por ter sido dita ao microfone ligado. Após grande repercussão, o presidente afirmou, no sábado (20), ter sido “mal interpretado”: “a crítica que eu fiz foi aos governadores, nada mais”.

“Seria mais digno ter se desculpado, mas o ódio impede um gesto de respeito e grandeza”, rebateu Flávio Dino em sua conta do Twitter, logo depois de o presidente ter se defendido. A O Imparcial, o governador maranhense disse ter interpretado o ataque como um comportamento de praxe do atual Governo Federal: “nós infelizmente confirmamos que o presidente da República é movido por um sentimento de sectarismo, de divisão do país, de extremismos e de busca de conflito e de confronto permanente como instrumento de exercício do governo”.


“Mesmo na ditadura militar, se lembrarmos do último presidente, João Figueiredo, ele conviveu com Leonel Brizola, Franco Montoro, Tancredo Neves, Zé Richa, entre outros governadores, que eram de partidos de oposição. Eu poderia mencionar todos os governos: Sarney, Collor, Lula, Dilma.”

Para Flávio Dino, entretanto, o mais preocupante não foi a crítica pessoal – a ela, o governador responde: “não embalou meu sono, pois não é uma opinião que altere a minha vida”. O mais grave, segundo ele, “foi o ataque à região e a todos os cidadãos e cidadãs dela; e o anúncio de uma determinação de perseguição contra um conjunto de governadores”. Em relação a isto, assegura: “é meu dever defender o estado para que o Governo Federal respeite o Maranhão e respeite o Nordeste”.
Leia a entrevista:


O Imparcial – Bolsonaro se referiu ao senhor como “o pior” dentre os governadores “de Paraíba”. O que o senhor acha disso?
Flávio Dino – Em primeiro lugar, é muito lamentável que o presidente da República se dirija a uma parte do país de modo depreciativo, utilizando uma expressão marcadamente preconceituosa e que embute essa visão de superioridade de alguns sobre outros. Então, nossa primeira atitude é de defesa do nosso estado, da nossa região e, portanto, de repúdio, protesto e indignação a esse tipo de tratamento, que pode ensejar inclusive medidas de ordem judicial. Em segundo lugar, nós infelizmente confirmamos que o presidente da República é movido por um sentimento de sectarismo, de divisão do país, de extremismos e de busca de conflito e de confronto permanente como instrumento de exercício do Governo, que constitui uma anomalia – algo indesejável, pois atrapalha o desenvolvimento do país. Em terceiro lugar, do ponto de vista pessoal, fica uma indignação por uma agressão injusta, desrespeitosa em relação ao trabalho sério que é feito no nosso estado. Somente na sexta-feira, inauguramos três obras – mostrando que, apesar da crise e dos constrangimentos fiscais que o Brasil atravessa, nós conseguimos ter resultados. O que ele considera pior deriva de preconceitos ideológicos e políticos, levando a uma orientação administrativa inconstitucional e ilegal, que é aquela segundo a qual ele dirige ao ministro chefe da Casa Civil e determina uma perseguição. Então, nós, os governadores do Nordeste estamos, a essa altura, esperando esclarecimentos sobre isso, porque é extremamente grave.

Existe a possibilidade de o presidente sofrer consequências legais por esta declaração?
Tenho me manifestado sempre pelo diálogo. Quando tomei posse, era a presidente uma aliada, a Dilma. Em seguida, veio o processo de Impeachment, no qual me posicionei firmemente contrário. Infelizmente perdemos no Congresso, assumiu Michel Temer e nós mantivemos uma atitude de diálogo administrativo e, inclusive, com resultados. Eu era um governador de oposição, mas o presidente Michel Temer e sua equipe respeitavam minha posição política e diferenciavam o que era posicionamento daquilo que o federalismo determina. Em relação ao governo Bolsonaro, minha expectativa era a mesma – de que houvesse respeito à democracia e de que os diálogos fossem possíveis. Por isso tudo, recebi com espanto esse nível de ódio e agressividade. De um lado, é algo incompatível com a Constituição e com o princípio federativo; de outro, constitui uma ruptura unilateral, por parte dele, do clima respeitoso que sempre houve no Brasil.


Mesmo na ditadura militar, se lembrarmos do último presidente, João Figueiredo, ele conviveu com Leonel Brizola, Franco Montoro, Tancredo Neves, Zé Richa, entre outros governadores, que eram de partidos de oposição. Eu poderia mencionar todos os governos: Sarney, Collor, Lula, Dilma. [A ruptura do clima respeitoso] é algo estranho à tradição brasileira e enseja em consequências políticas e jurídicas, sob a ótica do crime de preconceito regional, de ameaça – já que configura uma perseguição política -, enfim, há múltiplas possibilidades. Claro que isso não depende só de mim, mas é uma reflexão que nós [governadores do Nordeste] temos feito.

O senhor acha que essas constantes quebras de decoro do presidente podem ser motivo de um Impeachment?

Nós temos o artigo 85, da Constituição, que é regulado pela lei 1079. Permanentemente, ele vem se aproximando da incidência desses dispositivos normativos. É uma reflexão que, algum momento, vai se colocar na Câmara e no Senado. Não cabe a mim tratar desse assunto, pois é de outras competências. Mas, aparentemente, vai se construindo um caminho em que ele [Bolsonaro] vai, cada vez mais, governando para poucos, de modo agressivo. Sem dúvida, é um debate que, infelizmente, vai se colocando por conta desse conjunto de atitudes e declarações.

Recentemente, o senhor foi considerado pelo Congresso o melhor governador do Brasil [segundo pesquisa Congresso em Foco], o que contradiz a opinião de Bolsonaro, que diz que o senhor é o pior. Esse contra senso pode pesar para o presidente?
O conjunto da obra, no que se refere à relação dele com o Congresso, é o que realmente pesa, pois não é uma relação produtiva. É uma relação marcada por uma visão contra a política, contra políticos e instituições democráticas. Esse episódio reforça isso, pois, longe de ser algo específico, individual a mim, foi algo dirigido a uma região do país. O que eu percebi nas redes sociais de ontem para hoje foi uma onda de indignação política e social muito ampla. Isso é um complicador e esperamos que ele se retrate, pois piora um ambiente que já é ruim.

O senhor mencionou uma possível denúncia à Procuradoria Geral da República por racismo. Vai em frente?
Nós [os governadores do Nordeste] solicitamos e estamos esperando explicações da presidência da República. Teremos uma reunião no dia 29, em Salvador, e provavelmente este tema estará na pauta. Eu não tomarei nenhuma atitude individual, porque acho que não me cabe, na medida em que, embora eu tenha merecido um “destaque” – de, na ótica dele, ser o pior governador -, eu sempre coloco na frente o que achei de mais grave, que foi o ataque à região e a todos os cidadãos e cidadãs dela; e o anúncio de uma determinação de perseguição contra um conjunto de governadores. Nós vamos aguardar o que ele dirá para decidir providências jurídicas que iremos tomar.

Como o senhor vê ser considerado o pior governador no ponto de vista do Bolsonaro?
Olha, realmente, eu dormi bem a noite toda. Não embalou meu sono, pois não é uma opinião que altere a minha vida. Eu me preocupo muito com a opinião das pessoas, pois sou político e cidadão aberto a opiniões e sugestões, mas sobretudo à opinião do povo maranhense, que me elegeu e reelegeu. Então, não é a opinião isolada do presidente da República, movido por ódio e preconceito, que vai afetar minha atuação. Acredito nos valores democráticos e republicanos e não afasto um milímetro da minha atuação. Não tenho medo de cara feia, de grito, não tenho medo de nada disso. Não tenho medo de ditador, de subditador, de projeto de ditador. Então, vou manter a minha atitude sempre respeitosa, sempre no plano político e ideológico, como faço, nunca no plano pessoal, e pronto a colaborar com o Governo Federal naquilo que interessar ao meu estado. É meu dever defender o estado para que o Governo Federal respeite o Maranhão e respeite o Nordeste.

A declaração de Bolsonaro acabou servindo para o seu nome crescer ainda mais entre a oposição. Isso poderia contribuir para uma possível candidatura à presidência em 2022?
Eu tenho os pés sempre muito firmes no chão. [A candidatura à presidência] não é algo que eu planeje, porque está muito longe. É irreal. Hoje, a minha prioridade é fazer com que o Maranhão sobreviva às crises brasileiras. Mas claro que estou muito grato por tantas manifestações de solidariedade. Isso é positivo no sentido de mostrar que há respeito pela administração que eu tenho. Quando me refiro à eleição presidencial, sempre destaco que, para que a esquerda possa ter competitividade efetiva em 2022, precisaremos de muita união. Não serei eu a colocar um pleito individual, porque isso causaria mais divergências. O que destaco é esse espírito de unidade, de solidariedade ampla que recebi, que muito me tranquilizou. Vi que não era uma batalha em que estivesse solitário. É uma batalha em que estou muito bem acompanhado e, sobretudo, pela maioria da população do Maranhão.



Fonte:Oimparcial

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