PEC das Domésticas completa 10 anos exigindo avanços na garantia de direitos das mulheres

Informalidade e precariedade são as maiores chagas entre as profissionais. Leia entrevista com deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).


                             Sessão do Congresso Nacional que aprovou a PEC das Domésticas. Foto: J Batista/Câmara dos Deputados


Apesar de completar 10 anos da promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 72, de 2 abril de 2013, que estabeleceu igualdade de direitos trabalhistas entre as domésticas e os demais trabalhadores, não há muito o que comemorar.

Em um país que demorou séculos para, pretensamente abolir a escravatura, ainda percebemos a cultura de subjugação das mulheres negras, e como a lógica escravocrata ainda teima em persistir na sociedade brasileira. Somente após 70 anos da criação da CLT e 25 da Constituição Cidadã de 1988, é que as mulheres e homens que trabalham no segmento doméstico conquistaram a garantia de direitos que já eram realidade para outras categorias.

Ao manter o pensamento da trabalhadora doméstica como ‘é de casa’, os empregadores reverberam a lógica racista e, por esta razão, ‘entendem’ que essas mulheres não são dignas de garantias constitucionais.

A PEC das Domésticas, como ficou conhecida, teve o objetivo de garantir direitos como salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte e aposentadoria por invalidez, idade e tempo de contribuição. A emenda constitucional, originada da PEC 66/2012, fixou a jornada desses trabalhadores em oito horas por dia e 44 semanais.

Entretanto, tais direitos, até então inéditos aos trabalhadores domésticos, que são compostos em sua maioria por mulheres, só foram efetivados mesmo em 2015 com a Lei Complementar 150, que regulamentou a PEC 72, e garantiu seguro-desemprego, salário-família e adicional noturno e de viagens. O direito a horas extras também foi assegurado. A sua remuneração passou a ter valor pelo menos 50% superior ao de antes da emenda.

À época da criação da PEC, a maioria classificou a medida como o fim de uma injustiça e a garantia de tratamento igual para todos os trabalhadores. Entretanto, passados 10 anos da PEC das Domésticas, a garantia dos direitos das domésticas não teve avanços. De lá para cá, houve um golpe contra a presidenta Dilma, uma Reforma Trabalhista, que favoreceu somente o empresariado e prejudicou o proletariado, uma pandemia e um desgoverno que limou direitos sociais, além do aumento estratosférico de juros.

A mineira Janaína Costa, Mestre em História, quilombola e ativista pelos direitos das trabalhadoras domésticas, trabalhou como babá entre 2011 e 2018. Em 2020, ela criou o perfil no Instagram “Ela é só a babá” onde compartilha reflexões e análises sobre o trabalho doméstico. A partir das vivências enquanto babá, ela decidiu iniciar um programa de mestrado tendo como objetivo de pesquisa as experiências de trabalhadoras domésticas negras brasileiras. “Me concentrei em pesquisar, a partir de histórias de vida, as motivações e as expectativas que levaram mulheres pobres e negras a abandonarem sua região natal e migrarem em direção ao trabalho domésticas nos grandes centros urbanos. No decorrer da pesquisa, um dos pontos que abordei foi o tema dos direitos trabalhistas na experiência cotidiana das entrevistadas”, informa.

Sobre os 10 anos da PEC, Janaína defende que para se pensar o cumprimento e a garantia desses direitos, “é urgente que entendamos toda a estruturação histórica dessa categoria de trabalho visivelmente racializada e desprivilegiada socialmente. Para garantir direitos, é necessário garantir respeito e valorização social. Enquanto não entendermos que o trabalho doméstico no nosso país surge da escravidao e que sua permanência está baseada na exploração da mão de obra de mulheres pobres e quase sempre negras, não estaremos tratando de incorporar políticas arrebatadoras”.

Em entrevista à Agência Brasil, a coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, afirma que os direitos foram conquistados após muita luta da categoria, mas a efetividade e o respeito à legislação ainda deixam muito a desejar.

“Quando não tínhamos uma ferramenta legal para reclamar direitos que não foram respeitados na justiça, a gente dependia muito de jurisprudência, do juiz que julgasse a ação. A partir do momento que temos uma lei que nos garante direitos é uma alegria e ao mesmo tempo uma decepção, porque, infelizmente, muitos empregadores não respeitam, não registram carteira e quando vai fazer uma rescisão, nós só garantimos alguma coisa através de ação judicial. Isso é muito desgastante”, disse.

Segundo o DIEESE, dados da Pnad Contínua do IBGE, revelam que, entre o 4º trimestre de 2019 e o 4º trimestre de 2021, o número de ocupados no Brasil passou de 95,5 milhões para 95,7 milhões. No mesmo período,a população ocupada em trabalhos domésticos diminuiu de 6,2 milhões para 5,7 milhões. A idade média das trabalhadoras domésticas foi de 43 anos e a maioria tinha entre 30 e 59 anos. As mulheres representaram 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico, das quais 65% eram negras. Houve redução do número de trabalhadoras com e sem carteira assinada e das que contribuíam para previdência. A média nacional caiu de R$ 1.016 para R$ 930. Houve queda em todas as regiões. As trabalhadoras sem carteira ganharam 40% a menos do que as com carteira. Já as negras receberam 20% a menos do que as não negras; as não negras tinham rendimento de R$ 920 enquanto as negras R$ 743 A região nordeste é a que menos paga salário com média de R$ 615,00 e a Sul oferece maior rendimento, com R$ 1.116,00.
Avanço da informalidade

Segundo a deputada federal constituinte Benedita da Silva(RJ), relatora da PEC 72, ex-empregada doméstica, e grande liderança da categoria, “o movimento das empregadas domésticas tinha grandes expectativas de finalmente terem os mesmos direitos dos demais trabalhadores, mas a partir do desmonte da CLT feito pela Reforma Trabalhista de Temer, que só atendeu aos interesses dos patrões, as empregadas domésticas viram os direitos de sua PEC irem para o ralo. Assim, em 2020, a renda média da categoria era de R$ 876,00 abaixo do salário mínimo de R$ 1045,00 desse ano. A informalidade atingia 75% das empregadas domésticas, que cada vez mais se submetem à precarização de seus direitos trabalhistas por meio da condição de diarista”, afirma.

Reportagem da BBC Brasil traz levantamento que evidencia o avanço da informalidade entre as trabalhadoras domésticas nesses 10 anos da PEC. Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), compilados pela LCA Consultores a pedido da BBC News Brasil, mostram que “a parcela de trabalhadores domésticos sem carteira passou de 69% para quase 75% entre dezembro de 2013 e igual mês de 2022.” Ainda de acordo com a BBC, a renda dessas profissionais pouco avançou: “Em 2013, os com carteira ganhavam em média R$ 1.460 e os sem carteira, R$ 912. Em 2022, esses valores passaram a R$ 1.495 e R$ 932.”

Conforme reflete Janaína, a “PEC representa um grande avanço para a nossa categoria, mas ao mesmo tempo, muitas são as necessidades de revisão. Um exemplo claro das brechas deixadas no projeto, é que a lei não atende as diaristas e tampouco as babás folguistas. Ao completar 10 anos da medida, seria interessante repensar a estruturação desses direitos visando abranger de fato, toda a categoria. Um dos dilemas que acredito dificultar a garantia desses direitos para a trabalhadora, é a falta de vigilância. A minha impressão é que o cumprimento das leis ainda passa pela boa vontade ou não dos contratantes”.
Mais de 80 anos de luta por direitos

A parlamentar petista afirma que as empregadas domésticas lutam por seus direitos há muito tempo. “Basta dizer que o primeiro sindicato das trabalhadoras domésticas do Brasil foi criado em 1936, na cidade de Santos. No meu estado do Rio de Janeiro, a empregada doméstica sindicalista, Nair Jane, luta desde os anos 1970. Esse movimento nacional foi forte para pressionar a constituinte de 1988 a aprovar seus direitos como deputada constituindo. Eu lutei muito por isso. Mas a maioria conservadora não permitiu. Somente com o governo da presidenta Dilma foi possível articular com o Congresso Federal a histórica aprovação da chamada PEC das Domésticas da qual, com muito orgulho, fui relatora”, relembra.

“Após um longo histórico de exclusão, as trabalhadoras passaram a ser vistas de maneira mais abrangente pela legislação trabalhista brasileira. Acredito ser sempre importante lembrar que, a antessala que se configurou as conquistas das trabalhadoras domésticas foi erguida ainda nos últimos anos da década de 1930 por mulheres ativistas como Laudelina de Campos Melo, e em anos posteriores, até a atualidade, por mulheres sindicalistas como Creuza Maria de Oliveira, entre tantas outras. Sendo elas, as precursoras que persistiram na luta pelo reconhecimento da trabalhadora doméstica como profissional”, assegura Janaína.

Segundo o portal do Senado Federal, foi criado o Simples Doméstico, um sistema que unifica todos os pagamentos devidos pelos empregadores e também foi criado o Programa de Recuperação Previdenciária dos Empregadores Domésticos, que deu ao empregador a chance de parcelar débitos com o INSS. Portando, há estratégias públicas para auxiliar os ‘patrões’ a renegociarem possíveis dívidas com a arrecadação do INSS.

Benedita afirma que com a posse do presidente Lula representa uma expectativa para as domésticas: “um presidente que respeita os direitos trabalhistas traz para a categoria grandes esperanças de ver resgatada a sua PEC. A luta das trabalhadoras domésticas se soma à luta geral dos trabalhadores pela reorganização sindical desmontada pelos governos oriundos do golpe contra a presidenta Dilma de 2016 e, em particular, pelo respeito dos direitos constantes de em sua PEC juntamente com a volta da fiscalização do recriado Ministério do Trabalho”, reflete.

Janaína reflete que, para proteger legalmente as trabalhadoras, a vigilância dos direitos trabalhistas deve estar atrelada ao combate ao trabalho doméstico análogo à escravidão, o combate à violência racial e o combate à extrema pobreza, combate ao trabalho doméstico infantil. “Não é possível que uma lei proteja essa trabalhadora, se socialmente e historicamente não se entende a trabalhadora doméstica como um sujeito carregado de longevidade quanto se trata de temas como vulnerabilidade econômica, racial, territorial e de gênero”, conclui.





Da redação Elas por Elas

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